sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Diálogo

Faz quase dez anos que você se foi. Lembro como se fosse ontem.

Lembro-me da sua barba roçando meu rostinho de criança, do seu olhar calmo e do copo de cerveja que não o largava. Lembro-me de você dizendo, com uma voz de que já não me lembro mais, que me faria advogado, que eu era tão inteligente e que usaria seu anel de ouro com uma imensa pedra vermelha, com as iniciais O.A.B..

Você não dizia isso a mim, dizia a todos. Na verdade, fui o que menos ouvi coisas da sua boca. Apenas ouço suas aventuras, suas festanças, todas as suas safadezas, sempre com tom de riso, alegrias das quais nunca saberei de fato.

Você dizia que me roubaria da mamãe quando eu tivesse sete.

Roubaram-no de mim aos sete.

Sempre me perguntei por quê. Acreditava que não tinham esse direito, ficamos tão pouco juntos e você, na minha época de meninice, era trocado por videogame e futebol. Não me orgulho disso, me odeio.

Acho que nunca saberei o motivo real, mas tenho umas suspeitas. Você devia mesmo ser tão gente boa quanto dizem.

Mas você se foi, acho que para me deixar gostar de rock livremente, negando muitos dos seus sertanejos; para me deixar fazer tatuagens, as quais você dizia que filho seu nunca faria; me deixar torcer pelo time rival; e, principalmente, para achar que não o desapontaria com o meu jeito de ser e de viver.

Queria-me formar advogado. Serei engenheiro. Queria-me cowboy, não sou nem o minimo parecido com isso. Hoje posso dizer isso livremente, você não está aqui, não é? A quem decepcionarei?

Você foi mesmo um sacana. Não pôde me ensinar seus dotes com mulheres, a dirigir, nem a pescar! E como eu odeio pescar! Me deu um puta nome que me faria transcender a qualquer zoação. Um nome de que me orgulho, minha única herança.

Minhas lembranças com você são mínimas, diria que tenho mais sonhos e acredito que você, na vida real, seria como nos mesmos: um herói. Aquele que resolvia tudo apenas com um olhinho de meia lua e uma conversa baixa.

E enquanto falo ou escrevo você não pode responder. Não me julgaria se pudesse, não é?

Não, não julgaria. Olharia-me com aquele simples olhar de meia lua, fitando-me de cima a baixo e dizendo que não importa o que eu faça você me amaria ainda assim.

Não me lembro de você dizendo nada parecido, mas eu sei que disse. Disse sim.

E cá estou, dez anos depois, de barba, olhos baixos e lábios finos. Esquecendo a sua face, olhando-me no espelho. Sei até onde sou, mas sei que você me olha também.

Obrigado por tudo.

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