domingo, 26 de setembro de 2010

"Da arte de emanar palavrão"

Xingar é coisa séria, caralho.

É preciso classe, conteúdo e, em alguns casos, até cursos. Não é algo para ser usado por qualquer filho da puta. Emanar palavrões ao vento, sem saber usá-los, é coisa de gente escrota, que não tem mais o que fazer.

E antes que você se sinta ofendido com essa porra toda, achando que fui grosso ou agressivo, convido-o(a) a mentir que nunca xingou, em alto e bom som, um belo "Merda!" depois de bater o dedinho do pé na quina da mesa, ou que nunca chamou a vilã da novela de uma filha da puta.

Ok, não precisa mentir. Não vou criticar ninguém, também concordo que em muitos casos um otário, que só sabe falar palavrão, passa a ser chato e forçado, quando não agressivo.

Saber colocar um "porra" no final da frase, usar um "viadinho" como vocativo para aquele amigo de infância e um "Caralho!" para demonstrar espanto, de uma forma que não incomode, é algo difícil.

Por isso admiro muito os cariocas. Parece que já nascem sabendo xingar (imaginem um bebê nascendo e falando para o médico "Porra, brother, mal nasci e tu ja tá batendo na minha bunda?"), com um sotaque massa pra caralho, emendando "porra" aqui, "porra" lá, e por aí vai. Ninguém se ofende, acha isso normal e abaixa a cabeça para evitar qualquer bala perdida.

Não tô dizendo que xingar é sempre bom, não. Não acredito que seu sogro, pelo menos antes do casamento, vá querer ouvir o que você aprendeu nos tempos de escola, ou que sua sogra vá querer ser chamada de puta, só pra variar.

Nem digo que tenho classe pra falar essa merda que estou falando também não. Não ligo para qualquer vadia que disser que estou me achando, e o que te importa? Não é mesmo?

Mas vou passar uma dicas de como emanar palavrões no cotidiano, com o pouco que aprendi até os dias de hoje:

1 - Nunca substitua todos os substantivos de uma frase por palavrões. Frases do tipo "Puta, pega essa merda pra mim e põe em cima daquela porra ali." devem ser evitadas, porque atrapalham o entendimento e fica muito forçada.

2 - Em casos de dor e espanto, é indicado que se faça uma frase com apenas um palavrão, ou que ela seja resumida a ele. Como: "Porra, que legal!" ou "Merda!"

3 - Em casos de agonia ou medo de alguma coisa, substitua o motivo ou aquilo que é temido por um palavrão, ajuda a relaxar e a quebrar a tensão.

4 - No momento do sexo, tome cuidado com palavrões que vai usar, principalmente os monossilábicos. Eles podem sugerir alguma coisa que possa constrangir um dos parceiros, provocando o fim do ato. Imagine que bela bosta, né?

5 - Cuidado ao incorporar palavrões de outras culturas que não a sua. Palavrão deve ser algo bem enraigado na sociedade na qual você se insere, o diferente só o taxaria como idiota.

6 - Cuidado ao inventar palavrões novos. Eles devem traduzir o seu estado de espírito. Por isso palavrões grandes não são tão recomendados, o povo vai sentir que você se acha muito importante.

7 - Comece sempre falando poucos palavrões, até que seus amigos se acostumem com essa ideia. Suba gradativamente, até que não gere estranhamentos. Lembre-se da dica número 1, não seja forçado.

8 - Para terminar alguns palavrões que uso muito e suas aplicações:

Porra - para indicar objeto, lugar, espanto, curiosidade, admiração, ironia, desprezo, pessoa, raiva, ódio, ira, medo, esperma e outros (alguns têm muitas utilidades).

Merda - aplicado muitas vezes nas mesmas condições de "porra"; é mais indicado para a referência a uma pessoa da qual não se gosta; pode ser usado como referência a fezes.

Caralho - mais utilizado para referências de espanto e curiosidade; pode indicar pênis, então tome cuidado.

Desgraça - situações extremas. Seja de dor, de raiva de alguma coisa. É o mais recomendado para se usar ao bater o dedinho na quina da mesa.

Acho que sacaram a ideia. Poderia continuar milênios aqui citando alguns. Só digo que é bom pesquisar sobre alguns palavrões para saber do que se tratam, até para entender do que está sendo chamado, caso ele seja direcionado a você.

P.S. 1 - Para os evangélicos, lamento, post errado. Não posso ajudar vocês a xingar, Deus não gosta.

P.S. 2 - Se você leu até aqui e achou isso tudo uma grande merda, vai se foder o que me importa, né?

sábado, 25 de setembro de 2010

Noite de verão. Chuvosa.

Seu navio havia naufragado. Saiu vivo, escorado num pedaço de madeira que o levara até à praia. Perguntara-se por que estava ali, quando tudo parecia perdido. Perdera seu rumo, não sabia o que ouvir nem o que pensar. Sua bússola estava com defeito. Apontava para seu peito, apenas. Ele realmente achava que ela estava com defeito.

Nos primeiros dias quis apenas dormir. O canto das gaivotas soavam chatos, a maré o cansava. Pronto, dormiria até à morte. Ou até que dormir o cansasse. E o cansou, de fato.

Agora ficava ali. As gaivotas conversavam com ele, mas não se importava. Dizia que elas não o entendiam. Achava que ninguém nunca o entenderia. A tempestade havia sido forte, carregou para o mar tudo aquilo que era seu. Até mesmo aquela caixinha, onde guardava seus sentimentos. Infelizmente havia se esquecido de guardar a dor. E ela teve de ficar consigo, não podia ser levada embora. Era o que pensava.

Num certo dia acordou mais cedo, a sombra que pairava em cima de si deu lugar a intensos raios solares que o obrigaram a levantar. Riscou o coqueiro de contas, aquela eternidade de 30 dias parecia não ter fim.

Enquanto o tempo não passava, decidiu abrir um pouco os olhos. Logo pensou que ainda não estava preparado, uma sereia o fitava de longe, cabelos longos, cheios de cachos, sorriso penetrante e olhos bem vivos. Com certeza era uma alucinação, pensou.

Ela, deitada na pedreira, ria-se toda da ingenuidade do pobre rapaz barbudo que batia no próprio rosto como quem quisesse acordar. Esperou que ele se desse conta de que era real, o que demorou um pouco.

Aproximou-se do rapaz com um belo canto, daqueles que acalmam até a alma. Aquele percebia a notada diferença entre este e o canto das gaivotas. Decidiu falar, quem sabe ela o entenderia. Sucesso. Sentiu-se perfeitamente feliz. Naquele momento não conseguiu pensar em mais nada, apenas na linda sereia que pairava na sua frente. Achou-se precipitado, mas de fato pensou muito naquela sereia.

Conversaram sobre gnomos de jardim. Tão bonitinhos e atraentes, pareciam perfeitos cantores famosos! Mas tinham um defeito, não conheciam ninguém. Conversaram também sobre pequenos carvões, daqueles que queimam até o coração.

Viram-se rindo, juntos. Ela precisava ir embora, ele ficaria na ilha. Naquele quente verão, suas mãos se encontraram. Era um sinal.

Ela voltou no dia seguinte, no dia posterior a este e assim foi indo. Descobriram-se melhores amigos. Seus pensamentos se cruzavam várias vezes, podiam sentir. Um era mais apaixonante que o outro.

Era inevitável que se encontrariam apaixonados, já estavam desde o início. Demoraram a assumir. Mas assumiram.

Ela prometeu confiar nele e ele prometeu entrar no mar com ela. O problema é que ainda tinha medo do mar. Muito medo. Suas dores ainda não estavam superadas. Molhou o pé. Medo. O tornozelo. Não aguentaria. O joelho. Pronto. Era seu máximo.

Deixara-na ali. Sozinha. A dor que não iria embora nunca agora o rejeitava. Como pôde fazer aquilo com a pobre sereia que tanto confiou nele? Teve nojo de si mesmo, assim como as gaivotas que o odiavam. Não merecia nem a ilha.

Quis morrer, mas corda não havia ali. Nada pontiagudo. Nada. Nada. Nada.

Apenas um olhar vidrante de uma linda sereia que o vigiava de longe.

A comida havia acabado, ninguém o alimentava, a água estava escassa. Desejava a morte assim como desejou tudo na vida, não merecia ser homem depois de destruir a caixinha da sereia.

Iria morrer. Claro que iria morrer. E a morte parecia tão fácil, tão boa, que quis agarrá-la de braços abertos. Quase conseguiu. Não fosse uma maldita gaivota que a roubou de si.

Estava perdido. Nem a morte lhe restara.

Mas a sereia voltou. Seu olhar continuava vivo, ainda que com medo. Foi o suficiente para tirar-lhe a ideia de morte. Não confiava nele. De jeito algum, mas sabia que o amava e antes que se dessem conta, suas mãos estavam juntas novamente e ele prometeu nunca mais decepcioná-la. É claro que foi uma promessa forte, que não seria cumprida, mas que foi o suficiente para mantê-los.

Ele havia preparado uma nova caixinha. Dentro dela, apenas o nome da sereia e a vontade de amá-la. Foi o suficiente.

Continuaram a conversa, tinham muito a conversar, tanta coisa havia acontecido.

Antes que percebessem, estavam dentro do mar, suas guelras haviam crescido e ele agia como futuro rei do oceano. Restavam-lhes agora descobrir todos os sete mares.

Certamente eles fariam de tudo para descobrir esses sete mares.





terça-feira, 14 de setembro de 2010

O celular despertou na hora certa como de costume. Ele levantou 10 minutos depois, como de costume. Era cedo, seu cérebro não havia despertado completamente. Foi ao banheiro, parou em frente ao vaso, encostou a mão na parede e deixou seu pau duro urinar sozinho. Devia se arrumar, o ônibus da escola passaria logo a pouco.
Estava vivendo plenamente sua adolescência, há pouco tempo descobrira o sexo.
Na escola, olhava para toda e qualquer bunda que passasse por sua frente e se imaginava comendo cada uma delas. Até escolhera as bundas de que mais gostava e eram estas que ele procurava primeiro com o olhar. Chegou a separar com os amigos quais eram de quem, e assim iam, perdendo-se na imaginação.
Mas desfrutava o seu sexo diariamente, havia descoberto o que era a vida.
Agora, na aula de história, perdeu-se pensando nela. Seus longos cabelos brilhantes. Macios. Seu rosto fino, pescocinho lindo. Seu olhar penetrante enquanto se masturbava para ela, tudo ali. Sua cueca começava a ficar apertada. Disfarçava para que a colega ao lado não visse. Colocou o pau pra baixo para poder continuar pensando.
Agora pensou nos dois no mesmo quarto. Tirando toda a roupa dela. Passando suas mãos sobre aquele ombro macio, branco como a neve. Começando a beijá-la dos pés a cabeça. Passando a mão firme nas costas dela enquanto ela o pedia com a cabeça. E iam. Transavam. O suor ensoparia o corpo dos dois ao final. Até que bate o sinal, dando fim à aula.
Pegou o ônibus e foi correndo para casa. Precisava vê-la. Precisava olhar para aqueles olhos desejantes, que sabia que o queriam a cada fitada.
Quase caiu da escada ao pensar que estava tão próximo daquele corpo cheiroso. Seu desejo só aumentava. Já ia desabotoando a calça, seu pau novamente estava duro. Pensou em como seria devagar agora, faria toda uma cena. Começaria tirando sua roupa, depois lamberia todo o seu corpo. Ela faria o mesmo, até que ambos soubessem que a hora era aquela.
E esta chegou. Abriu a porta. Trancou-a.
Esperara muito por aquele momento, já não aguentava mais de saudades do dia anterior. Estava pronto para ela. Muito Pronto.
E agora a via. Estava em sua frente. Ela com seu olhar paralisante, fitando-o de cima a baixo, olhando seu órgão, pronto para o que o menino tanto queria.
Finalmente havia chegado o momento.
Ligou o chuveiro, frisou o vidro de shampoo e começou a namorar.


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Viagem

Já era tarde quando chegou em casa, era aniversário de seu neto. Fora um dia feliz.

Acordou cedo, leu seu jornal matinal e foi à casa do filho. Almoçaram em família. Já no fim da tarde, levou o neto para jogar futebol de botão. Como o menino havia ficado bom nisto! E voltaram para casa.

O avô teve de ficar até o menino dormir, contando histórias inventadas que sempre acabavam com um ronquinho daquele.

Agora estava ali, em seu quarto.

Fez a barba para se sentir rejuvenescido, penteou o cabelo branco como neve e fitou seu magro corpo no espelho, o mesmo corpo de nadador que atraiu diversas mulheres no passado.

Foi ao guarda-roupa, conferiu se o terno estava passado e vestiu seu samba-canção de estimação. Então foi em direção ao lado direito da cama, marcado como seu desde o início do casamento. O lado esquerdo estava vago, mas nunca perdera seu cheiro de rosas.

Agora dividia a cama com seus pensamentos e desejos, muitos deles irrealizáveis.

Pensando em como o menino crescia rápido, em como se tornaria o melhor jogador de futebol de botão do mundo, dormiu, com um belo sorriso no rosto.

Estava em sono profundo quando a janela do quarto se abriu, mas não profundo o suficiente para que não acordasse:

- É voce, não é? - disse o velho.

- Sou.

- Imaginei que estivesse a caminho. Preparo meu terno há alguns anos.

- Você são patéticos. Sua mulher me fez esperar para que pudesse se maquiar.

Era uma mulher vaidosa, que mesmo com câncer, aos 63, teimava em se maquiar. Dizia que já havia fisgado o marido, mas devia continuar a puxar com cuidado para que o anzol não se arrebentasse. E o velho ria ao descobrir a última da mulher.

Ainda com o sorriso no rosto, o velho disse:

- Obrigado por ter esperado esse dia. Não pensava que seria feliz.

A morte, encostando-se na parede, acendeu um cigarro e disse:

- Desculpe-me, esqueci que vocês precisam de dias tristes para morrerem.

- Não é isso. Foi um dia perfeito, que parecia durar para sempre.

- Vai durar, velho. Enquanto isso não me agradeça.

O velho se levantou e foi até o guarda-roupa. Tirou o terno liso do cabide e o colocou na cama.

- Poderia me despedir do meu filho? Uma ligação apenas...

- Vocês humanos são todos iguais. Nunca se contentam. Já não lhe bastou um dia perfeito, velho?

- Você tem razão. Há coisas que não devem ser ditas.

- Aí está a sensatez.

Quando a morte expulsou a última tragada dos pulmões, o velho começou a ver sua vida. A bicicleta que ganhara em seu aniversário de cinco anos; os beijos de boa noite da mãe; o primeiro beijo; a primeira transa; sua mulher, como amava essa mulher, que a cada dia ficava mais linda aos seus olhos. O nascimento do filho o emocionou muito, lembrou de quando ele quebrou a perna e de como ficou preocupado. E agora via o neto, com o mesmo sorriso bobo no rosto.

- Desista, velho, não é hora de lembrar toda a vida.

- Desculpe. Vou me vestir – disse, enxugando as lágrimas dos olhos.

Calçou as meias, colocou a calça, o cinto. Abotoou a camisa e colocou-as para dentro e pegou o blazer. Não quis tirar o samba-canção, não se sentiu tão à vontade na frente da morte.

Pensou uma última vez no filho e desejou que ele conseguisse amar o seu próprio como ele os amou.

- Como é lá? - tentou ele.

- Como você quiser.

- Vou vê-la?

- Não sei. Pode ser que sim, se ela assim quiser.

Deu uma respirada profunda e disse:

- Bem, é o fim?

A morte se sentou no lado esquerdo da cama, olhou em seus olhos azuis bem vivos e colocou a mão em seu ombro. Aquele olhar que parecia não acabar nunca terminou com um suspiro:

- Apenas o início.

domingo, 5 de setembro de 2010

Andei pensando em como seria procurar um emprego nesses dias e descobri que nao saberia responder a uma das perguntas da entrevista:

"Se você pudesse ser um animal, que animal seria?"

Típica pergunta de um chefe canalha que quer que você se foda enquanto ele ganha dinheiro.

Eu poderia dizer que queria ser um elefante, por ter boa memória; um macaco, por ter polegares; ou uma zebra e falar que zebras trabalham bem em equipe, são antenadas à bolsa de valores e desenvolvem softwares perfeitos, só para conseguir o emprego.

Mas se eu realmente pudesse escolher, escolheria ser um cachorro.

Por quê? A resposta é muito óbvia. Cachorros são felizes.

Cachorros sim trabalhariam em equipe, simplesmente pelo fato de não terem mais o que fazer. Cheirariam a bunda um dos outros, correriam, e no máximo brigariam por uma cadela no cio.

Mas o que me interessa mesmo num cachorro é o fato de eles ficarem pelados a vida toda e ainda assim conseguirem amigos, não pelo que tem e sim pelo que são. Não precisam ficar se humilhando para manter as amizades ou ficar puxando o saco de alguém.

Um cão não trai ninguém, simplesmente reage por instinto. Machuque-o e ele o morderá, ame-o e ele o amará. Correr atrás de uma bola não é humilhação, é diversão. Humanos correm e fazem humilhações por dinheiro, por que um cachorro deve ser chamado de otário por correr atrás de uma bola? Ele quis fazer isso, ué.

E se faltasse algo, eu procuraria meios de sobreviver. Um cachorro abandonado, sendo simplesmente ele mesmo, inocente e no máximo com o rabo entre as pernas, arranja um dono que o ama e o trata bem e ele vive na maior comodidade. Já esses bichos racionais podem ficar a vida inteira sozinhos e nunca acharem alguém que cuide deles, porque eles reclamam de tudo e não fazem nada para melhorar.

Simplesmente invejo o cachorro, que no mundo não procura nexo, vive em paz em busca de comida e sexo.

Mas acho que ele preferiria que eu fosse uma zebra.


P.S. : É um texto super antigo, nem me lembrava da sua existência. Achei perdido por aí e quis postar. Não é 100%, mas tá valendo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Diálogo

Faz quase dez anos que você se foi. Lembro como se fosse ontem.

Lembro-me da sua barba roçando meu rostinho de criança, do seu olhar calmo e do copo de cerveja que não o largava. Lembro-me de você dizendo, com uma voz de que já não me lembro mais, que me faria advogado, que eu era tão inteligente e que usaria seu anel de ouro com uma imensa pedra vermelha, com as iniciais O.A.B..

Você não dizia isso a mim, dizia a todos. Na verdade, fui o que menos ouvi coisas da sua boca. Apenas ouço suas aventuras, suas festanças, todas as suas safadezas, sempre com tom de riso, alegrias das quais nunca saberei de fato.

Você dizia que me roubaria da mamãe quando eu tivesse sete.

Roubaram-no de mim aos sete.

Sempre me perguntei por quê. Acreditava que não tinham esse direito, ficamos tão pouco juntos e você, na minha época de meninice, era trocado por videogame e futebol. Não me orgulho disso, me odeio.

Acho que nunca saberei o motivo real, mas tenho umas suspeitas. Você devia mesmo ser tão gente boa quanto dizem.

Mas você se foi, acho que para me deixar gostar de rock livremente, negando muitos dos seus sertanejos; para me deixar fazer tatuagens, as quais você dizia que filho seu nunca faria; me deixar torcer pelo time rival; e, principalmente, para achar que não o desapontaria com o meu jeito de ser e de viver.

Queria-me formar advogado. Serei engenheiro. Queria-me cowboy, não sou nem o minimo parecido com isso. Hoje posso dizer isso livremente, você não está aqui, não é? A quem decepcionarei?

Você foi mesmo um sacana. Não pôde me ensinar seus dotes com mulheres, a dirigir, nem a pescar! E como eu odeio pescar! Me deu um puta nome que me faria transcender a qualquer zoação. Um nome de que me orgulho, minha única herança.

Minhas lembranças com você são mínimas, diria que tenho mais sonhos e acredito que você, na vida real, seria como nos mesmos: um herói. Aquele que resolvia tudo apenas com um olhinho de meia lua e uma conversa baixa.

E enquanto falo ou escrevo você não pode responder. Não me julgaria se pudesse, não é?

Não, não julgaria. Olharia-me com aquele simples olhar de meia lua, fitando-me de cima a baixo e dizendo que não importa o que eu faça você me amaria ainda assim.

Não me lembro de você dizendo nada parecido, mas eu sei que disse. Disse sim.

E cá estou, dez anos depois, de barba, olhos baixos e lábios finos. Esquecendo a sua face, olhando-me no espelho. Sei até onde sou, mas sei que você me olha também.

Obrigado por tudo.