sábado, 25 de setembro de 2010

Noite de verão. Chuvosa.

Seu navio havia naufragado. Saiu vivo, escorado num pedaço de madeira que o levara até à praia. Perguntara-se por que estava ali, quando tudo parecia perdido. Perdera seu rumo, não sabia o que ouvir nem o que pensar. Sua bússola estava com defeito. Apontava para seu peito, apenas. Ele realmente achava que ela estava com defeito.

Nos primeiros dias quis apenas dormir. O canto das gaivotas soavam chatos, a maré o cansava. Pronto, dormiria até à morte. Ou até que dormir o cansasse. E o cansou, de fato.

Agora ficava ali. As gaivotas conversavam com ele, mas não se importava. Dizia que elas não o entendiam. Achava que ninguém nunca o entenderia. A tempestade havia sido forte, carregou para o mar tudo aquilo que era seu. Até mesmo aquela caixinha, onde guardava seus sentimentos. Infelizmente havia se esquecido de guardar a dor. E ela teve de ficar consigo, não podia ser levada embora. Era o que pensava.

Num certo dia acordou mais cedo, a sombra que pairava em cima de si deu lugar a intensos raios solares que o obrigaram a levantar. Riscou o coqueiro de contas, aquela eternidade de 30 dias parecia não ter fim.

Enquanto o tempo não passava, decidiu abrir um pouco os olhos. Logo pensou que ainda não estava preparado, uma sereia o fitava de longe, cabelos longos, cheios de cachos, sorriso penetrante e olhos bem vivos. Com certeza era uma alucinação, pensou.

Ela, deitada na pedreira, ria-se toda da ingenuidade do pobre rapaz barbudo que batia no próprio rosto como quem quisesse acordar. Esperou que ele se desse conta de que era real, o que demorou um pouco.

Aproximou-se do rapaz com um belo canto, daqueles que acalmam até a alma. Aquele percebia a notada diferença entre este e o canto das gaivotas. Decidiu falar, quem sabe ela o entenderia. Sucesso. Sentiu-se perfeitamente feliz. Naquele momento não conseguiu pensar em mais nada, apenas na linda sereia que pairava na sua frente. Achou-se precipitado, mas de fato pensou muito naquela sereia.

Conversaram sobre gnomos de jardim. Tão bonitinhos e atraentes, pareciam perfeitos cantores famosos! Mas tinham um defeito, não conheciam ninguém. Conversaram também sobre pequenos carvões, daqueles que queimam até o coração.

Viram-se rindo, juntos. Ela precisava ir embora, ele ficaria na ilha. Naquele quente verão, suas mãos se encontraram. Era um sinal.

Ela voltou no dia seguinte, no dia posterior a este e assim foi indo. Descobriram-se melhores amigos. Seus pensamentos se cruzavam várias vezes, podiam sentir. Um era mais apaixonante que o outro.

Era inevitável que se encontrariam apaixonados, já estavam desde o início. Demoraram a assumir. Mas assumiram.

Ela prometeu confiar nele e ele prometeu entrar no mar com ela. O problema é que ainda tinha medo do mar. Muito medo. Suas dores ainda não estavam superadas. Molhou o pé. Medo. O tornozelo. Não aguentaria. O joelho. Pronto. Era seu máximo.

Deixara-na ali. Sozinha. A dor que não iria embora nunca agora o rejeitava. Como pôde fazer aquilo com a pobre sereia que tanto confiou nele? Teve nojo de si mesmo, assim como as gaivotas que o odiavam. Não merecia nem a ilha.

Quis morrer, mas corda não havia ali. Nada pontiagudo. Nada. Nada. Nada.

Apenas um olhar vidrante de uma linda sereia que o vigiava de longe.

A comida havia acabado, ninguém o alimentava, a água estava escassa. Desejava a morte assim como desejou tudo na vida, não merecia ser homem depois de destruir a caixinha da sereia.

Iria morrer. Claro que iria morrer. E a morte parecia tão fácil, tão boa, que quis agarrá-la de braços abertos. Quase conseguiu. Não fosse uma maldita gaivota que a roubou de si.

Estava perdido. Nem a morte lhe restara.

Mas a sereia voltou. Seu olhar continuava vivo, ainda que com medo. Foi o suficiente para tirar-lhe a ideia de morte. Não confiava nele. De jeito algum, mas sabia que o amava e antes que se dessem conta, suas mãos estavam juntas novamente e ele prometeu nunca mais decepcioná-la. É claro que foi uma promessa forte, que não seria cumprida, mas que foi o suficiente para mantê-los.

Ele havia preparado uma nova caixinha. Dentro dela, apenas o nome da sereia e a vontade de amá-la. Foi o suficiente.

Continuaram a conversa, tinham muito a conversar, tanta coisa havia acontecido.

Antes que percebessem, estavam dentro do mar, suas guelras haviam crescido e ele agia como futuro rei do oceano. Restavam-lhes agora descobrir todos os sete mares.

Certamente eles fariam de tudo para descobrir esses sete mares.





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