sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Acaso

Não se conheciam.
"Vai, cara, você só vai esquecê-la quando comer outra", disseram quando convenceram-no sair com a amiga da irmã.
"Vai, Ju, você não pode odiar todos os homens por causa de um", disse a ela, quando falou do irmão.
E foram.
Marcaram num barzinho social, com música na ala direita e mesinhas na esquerda.
Ele estava à mesa, esperando a acompanhante da noite.
Já se viram algumas vezes, alguns cumprimentos cordiais, ou não, como quando ela o viu só de toalha, indo para o quarto.
Ela chegou três minutos atrasada, quase não a viu, não tirava os olhos do relógio.
Levantou-se, não quis puxar a cadeira para ela porque achava isso grosseria, não gentileza.
- Oi - disse ela, delicadamente.
- Opa - disse se arrependendo no segundo seguinte.
Sentaram-se um em frente ao outro.
"Não devia ter vindo nessa merda, acho que nem quero comer ninguém por agora."
"Ai, não devia ter vindo, parece que ele veio forçado e deve só querer me comer."
É, estavam na mesma.
- Como vão as coisas na facul? - quebrou ele o gelo.
- Vão bem, muita matéria, mal consigo acompanhar.
- E eu que pensava que faculdade era só zoar...
- É, se você pretende ser um nada na vida.
Quase caiu da cadeira, e se arrependeu mais ainda de ter ido.
- Garçom, um martini, por favor.
- Dois - disse ela, pensando que só assim poderia aguentar aquele clima.
"Podia ter ido a uma boate e dado a qualquer um."
"Bem que ela podia ficar calada a noite toda."
- Vai querer comer por agora? - perguntou ele.
- Da próxima vez que ele passar aqui a gente pede o cardápio.
- Ok.
- Vai à formatura do Direito?
- Provavelmente não, tão querendo me arrastar prum showzinho aí...
- Ah.. - "[que bom]", mas ficou só no pensamento.
- Você não estaria a fim de...
- Garçom, o cardápio por favor!
"...ir pra puta que te pariu, puta dos infernos."
- Ãã, traz a salada número 23 pra mim, por favor. Vai querer alguma coisa?
- Filé mignon, mal passado e com muita cebola.
- Não gosto de cebola.
- Que bom.
- Para ambos.
Silêncio.
Ele observava tudo à sua volta enquanto a comida não chegava. Na mesa ao lado, uma mulher espetava um queijo e dava na boca do marido, rindo. Na mesa de fronte, um casal sentado lado a lado, em plenos amassos, e eles ali, querendo ir embora.
Ela batia as unhas na mesa, como se ninguém percebesse sua agonia ali, no meio daquele silêncio. Desejou ter ficado em casa, nunca ter sido traída, ter tomado um sorvete de 3000 Calorias, ao invés de sair de casa e ter de assistir a um cara comendo cebola.
Como podiam ter concordado em sair juntos? Não tinham nada em comum e era deprimente ver ele ali, olhando pro teto e assoviando.
- Qual seu signo? - tentou ela, como sua última esperança.
- Não acredito nessas merdas.
É. Estava tudo perdido, ela sairia dali depois de comer e compraria um sorvete. Ele sairia dali e iria para casa tocar uma punheta, pensando que "essa vadia podia ter ficado calada a noite toda e apenas dado para ele".
Ela parou de bater na mesa. Ele parou de assoviar. Entreolharam-se. Apertaram os olhos e se encolheram na mesa.
- É Good times...
- Bad times - interrompeu ela.
- Você gosta?
E a viu sussurrar as palavras que Plant dizia do outro lado do bar.
Ela riu, sentindo-se boba por não ter perguntado de que ele gostava no início da conversa.
Como ele desejou que ela tivesse perguntado a quais musicas ele ouvia para ter visto antes o quanto seu sorriso era lindo, e vê-la com cara de espanto ao sussurrar um pleno "Led Zeppelin".
- Led é bom, começou ela, mas prefiro...
- Pearl Jam? - interrompeu ele.
- Como você sabe?
- Intuição.
- Pensei que não acreditasse nessas coisas.
- Algo me mandou acreditar. Quer ir dançar?
- Quero.
Levantaram-se e foram.
O filé acebolado ficou com a salada.
Aparentemente não tinham nada em comum e não tinham, de fato, mas acordariam lado a lado por um bom tempo. Assim como tinha de ser.


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