segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Bem kafkiano

Quietinho desde criancinha, quando eu sentava de pernas pro ar esperando a gente grande resolver as coisas. Não falava nada, ouvia aquilo tudo. Às vezes não entendia, mas fui ficando esperto e pegando as coisas no ar. Dinheiro, sempre dinheiro. Esperava enquanto resolviam, louco para voltar pra casa e brincar com meus bonecos de ação, num mundo só meu.

Até pensava que eu era grande também. Na minha roda mal tinha crianças e eu era obrigado a ficar com os mais velhos, ou no truco, ou nas músicas que ouviam e até nas risadas daquilo que eu só entenderia mais tarde.

Se cresci cedo, um dos principais motivos foi este. Mas crescendo, vendo o mundo podre desde pequeno, eu era bem criança com meu Max Steel e sua garra, lutando contra o Apocalipse, o vilão dos X-Men, numa vila onde todos os bonecos se encontravam e todos os vilões se uniam. Uma vila só minha.

Foi numa noite de 19 de outubro que meu crescimento se consolidou. A notícia de que o homem que deveria cuidar da minha pequena irmã, a partir daquele momento, seria eu, rompeu qualquer base. Me senti um próprio Max Steel.

Cresci cedo. Vi as injustiças do mundo desde pequeno, vi que quem é bonzinho demais só se fode e que no final das contas, o amor que você deu não é igual àquele que você recebeu. Vi que heróis também sangram e que até mesmos os fortes sentem medo. Eu me achava forte, hoje eu tenho muitos medos.

Não sei se personalidade é algo genético, não posso provar. Sei que não sei como montei a minha. Não me espelhei em ninguém. Procurei sempre fazer o certo, mesmo que isso me custasse sangue. De quem ou do que vem isso, não sei.

A concepção do que é a vida foi formada há pouco tempo, embora eu sempre soubesse do que se tratava. Um jogo, no qual você está sempre na última fase, lutando contra um poderoso chefão que tenta te foder a cada instante e tudo o que você consegue fazer é apertar dois pra cima e X para desviar de seus ataques. Não dá pra ganhar, é um jogo no modo survival em que você ganha por sobreviver mais tempo. Injusto. Muito. Você só tem uma vida.

Pensamento de velho, ideologia bem jovem. Ideologia pura, bem revolucionária, que não aceita o injusto, que não aceita a submissão diante desse chefão filho da puta que controla e guia todos os seus movimentos. Não sei, novamente, de onde vem esse impulso de querer lutar, de querer mudar a situação, mas sei muito bem de onde vem a dor da frustração por não conseguir. Do peito, ardendo em chamas.

Reclamão eu me tornei mais tarde, embora odeie o fato de ser chamado assim. Acabo achando que não sou compreendido, que é normal aceitar as coisas como elas são, de que lutar contra o injusto é errado e que devo apenas me silenciar enquanto apanho. Não! Não pode ser assim! Isso sim é errado! É entregar o jogo.

Tenho um leve hábito de escolher os caminhos mais difíceis, os caminhos em que mais se perde sangue. Vivo no limite. Me estouro, me arrebento, falo mesmo, reclamo mesmo, porque não vou aceitar o errado só porque é mais cômodo. Ao contrário!

Acabei me tornando assim, então, capaz da autodestruição. Capaz de me olhar no espelho e negar tudo que sou, capaz de dizer que faço tudo errado, que nunca consigo escolher os melhores caminhos, que não consigo ser bom para ninguém, que só sirvo para lamentar e reclamar. Capaz de pegar as dores de todo mundo para que ninguém sofra, sofrer por eles. Capaz de ouvir bastante que estou errado, que eu não devo ser assim. Capaz de me indignar até com isso! Me indignar com o fato até de que um altruísmo gere repulsão na parte das pessoas.

Se diz que só pensa em você, que não liga pros outros, é um egoísta safado. Se pensa nos outros e prefere que os outros se saiam melhor que você, de qualquer história, te chamam de um altruísta bobo!

Pois é.

Gosto de ser bobo. Gosto de acreditar nas pessoas. Gosto de alimentar sonhos de que no futuro tudo será melhor, que o chefão estará enfraquecido. Gosto mais ainda de pensar nas coisas que eu quero fazer quando puder. Muitas coisas, muitos pensamentos. Nenhum de velho.

Prefiro ser bobo assim, ter várias cicatrizes a entregar os pontos. É claro que tem suas desvantagens, quando você sangra ninguém acha que você tem esse direito, ou no mínimo dizem "Eu te avisei!", como se doesse menos. Não dói menos, dói demais, dói pra caralho. Mas é normal, não sou de borracha como meu Max Steel. Sofro, tenho recaídas, boto tudo pra fora, quando todos me chamam de reclamão. Mas não perco a oportunidade de fazer piadas com minhas dores, de rir da minha situação, de rir da injustiça da vida e de como muita gente é boba!

Muita gente é boba mesmo! Muita gente sangra rindo, mesmo que chore quando está sozinha. Mas e daí? Risada como a de um bobo é a melhor que existe.

Quanto a mim, fico aqui, rindo pra não chorar, sendo bem bobo ou bem idiota mesmo, pensando que posso vencer essa tal de vida, mesmo que não pareça pra ninguém, mesmo que digam que só sei reclamar, mesmo que ninguém, às vezes nem eu, veja o quanto luto.

Num mundo que não é só meu, ouve a minha risada quem quer.

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