segunda-feira, 11 de julho de 2011

O vestido sujo de porra


Andava apressada.

Sua raiva do mundo a guiava para a lavanderia, que ficava a uns dois quilômetros de casa. Cabisbaixa, apertava contra o peito a lembrança da melhor foda que tivera até ali.

Agora, quando seu salto parecia querer perfurar a calçada, não sabia se deveria guardar essas lembranças. Já fora obrigada a guardar todos os presentes e os sonhos em relação ao futuro em cima do guarda-roupa, onde não os visse.

Mas algumas coisas não saíam de sua cabeça.

Como aqueles olhinhos, mais fundos que o normal, circundados por sobrancelhas extremamente bem desenhadas... Ou aqueles lábios finos, de uma boca bem pequena, rodeados por uma barba mal feita.
Não conseguia esquecer.

Mas agora, essa imagem tinha o perfil de um cafajeste. Um cafajeste que terminou por telefone, com a desculpa de que não era bom o suficiente para ela. Um cafajeste ainda capaz de mandar flores, como se isso melhorasse sua imagem.

Mas ela sabia que não melhorava. “Indigno filho da puta” era o que pensava. Porque só a falta de dignidade faz alguém acabar, pelo telefone, com toda uma intimidade construída, por todo o carinho e tesão compartilhados. A verdade é que ele não teria coragem para terminar pessoalmente, não olhando em seus olhos. Não mesmo.

Os homens são assim. Quando vêem que a sua individualidade está ameaçada, fogem. Têm medo de serem tocados lá no fundo e por isso rompem relacionamentos com a maior frieza e com a maior distância possível. Na cara dura.

E agora, tudo que ela queria era sentir raiva. Mas não era assim. Não iria nunca negar tudo aquilo que ele um dia representou, porque na época, era tudo que queria. Não se rebaixaria ao seu nível, de ter jogado a camiseta suja de batom no cesto de roupas sujas. Não. Não pisaria nas próprias memórias.

Perguntava-se se devia mostrar algo para ele. Como por exemplo, rasgar pétala por pétala de cada uma das rosas que recebeu e mandar de volta, com um bilhete escrito “Vai se foder”. Mas para que se preocupar com alguém que está pouco se fodendo?

Pouco se fodendo não. Agora deveria estar fodendo todas, porque pelo menos isso ele fazia bem.

Seu passo estava mais acelerado do que nunca. O vestido não ousava mexer naquelas garras que o prendiam. Seus olhos mareavam lágrimas, como de costume, lágrimas de amor. Era o seu maior dom. Chorar por amor.

Masoquista. É o que ela era. Uma masoquista retardada.

E é por isso que não conseguia parar de se lembrar de quando chegaram da boate e transaram em cima do balcão de mármore da cozinha. Não a mais longa, mas a melhor foda que já tivera. Com toda aquela paixão que só o sexo consegue expor. Que só os arranhões conseguem provar. Que só a vontade faz. E tamanha era a vontade que ela nem teve tempo para tirar seu vestido. Seu melhor vestido. Que agora estava lambuzado de porra seca. Então ela tinha que chegar o mais rápido possível na lavanderia, para lavar essa merda de vestido e seguir com sua vida.

Mas a verdade é que ela já tinha passado da lavanderia há muito tempo. Porque no fundo sabia que, assim como muitas coisas na vida, aquela porra ficaria bem guardada. Aquela porra agora era dela, assim como muitas outras que viriam.

Todos sabemos que não podemos lavar certas coisas.

Ou melhor, certas coisas não precisam ser lavadas.

2 comentários:

  1. "Todos sabemos que não podemos lavar certas coisas."

    Metáfora perfeita. (:
    ótimo texto amgs.

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