sábado, 11 de fevereiro de 2012

A estante manchada de álcool

Been dazed and confused for so long.

Vamos, amigo, acende teu cigarro. Afinal, a bebida não é a única coisa que não deixa o homem ficar se sentindo atordoado e inútil o tempo todo, ao contrário do que dizia seu amigo Charlie.

It’s not true.

Sentado ali, em frente a uma estante de livros. Copo de uísque na mão, cigarro aceso na boca. Pensamentos à flor da pele. Saindo vivos de seus poros. “Não é morrer que é ruim, é estar perdido”. Mas ele não estava. Seu lugar era bem ali, entre a sala e o quarto da ex-mulher.

Try to Love you, baby, but you push me away…

Sua foto ainda repousava na estante ao lado, em um lugar que pudesse encará-lo e censurar seu alcoolismo precoce. O beijo, meu amigo, é a véspera do escarro. Não sabia quando havia sorrido pela última vez. Sabia apenas que os aqueles olhos que o encaravam, puxavam-no para um mar de ressaca.

Lembrou-se de algo que lera há muito, de seu autor preferido: “É sempre assim. Morre-se. Não se compreende nada. Nunca se tem tempo de aprender. Envolvem-nos no jogo. Ensinam-nos as regras e, à primeira falta, matam-nos”.

Mas ele sabia, que no fundo, Ernest era prudente. Não era a morte de sua amada que doía. Era a sua própria, ali, enquanto ele estava acordado. Morria aos poucos, ao passo que ia vivendo. Dia após o outro, enquanto seus arrependimentos faziam as engrenagens do relógio trabalharem no sentido contrário.

Tongue wag so much when I send you the bill

Alguém iria acertar suas contas.

Nada fazia sentido, muito menos este texto.

Run around sweet baby, Lord, how they hypnotize

Seu uísque já estava aguado, a sala coberta de fumaça. E ele olhava hipnotizado para a bela máquina repousando em seu colo. Era quente. Trazia mais calor para seus pulmões do que a fumaça de seu Lucky Strike.

Era confortante. Como às vezes todo fim o é.

Julie, sinto muito. Meu lugar não é aqui.

Seus livros ficaram manchados de sangue.E tudo terminou, confuso.
Como começou.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

dias comuns não precisam de títulos especiais

Pegou a caneta e pensou. Bateu sua ponta na folha em branco. Trêz vezes. Vezes três, são nove. As batidas dançavam lentamente, no ritmo de sua insegurança. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Precisava de uma bebida. O uísque estava no guardarroupa, o copo estava lá embaixo. E ele está no meio, mesmo tendo vindo depois. Sua mente, bem distante dali. Começou a escrever, como se soubesse. Mas não olhava para o papel. Olhava para si mesmo. Ouvia o barulho do papel sendo cortado pela ponta fina da caneta, desenhando subitamente palavras que cortariam o silêncio da noite. Escrevia pensava pensava escrevia. Seus pensamentos reverberavam pelo quarto. Até que cessaram. Olhou para o papel em branco em frente de si. A caneta estava sem tinta.
Até surdo
anda
escutando o que
não
devia
num telefone
sem-fio.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Meu amigo McFly

Era uma vez meu amigo
Que de tão sabido,
Do futuro quis saber.

Deu sua mão pra ler
Mas ficou arrependido,
Soube de tudo que não queria ver.

Mas esse meu amigo era esperto,
Mesmo com um futuro incerto,
Sabia se virar.

Para todas as coisas ruins que soube, disse não.
E com sua curta linha da vida,
Amarrou o pulso,
Cortou fora sua mão!

Depois disso, esse meu amigo viveu pra sempre.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Concretismo

Argila e calcário,
fundidos a 1450 ºC.
Gipsita.
Pó!

Areia,
água
e brita.

Pode não ser profundo,
mas é concreto.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Encontro Marcado



Conheceram-se numa tarde de maio.

***

Mariposa Apaixonada de Guadalupe era uma mulher insegura. Muito.  Daquelas que ficam em casa num sábado à noite tomando um sorvete e assistindo a Comer, Rezar, Amar. Não saía nunca. Ficava sempre em casa com a mãe, mesmo aos 28 anos de idade.

***

Arlindo Orlando era um cara bem rústico, trabalhador e bastante prestativo. Não era muito bom com as palavras, mas sabia demonstrar bem as coisas que queria. Com uma determinação do cão, ia até o inferno para alcançar seus objetivos.

***

Encontraram-se várias vezes. Sempre virtualmente.

Foi num site de relacionamentos que começaram a conversar.

Ela, desesperada por um novo amor, mal conseguia conter sua empolgação. Não parava de falar. Perguntava tudo sobre sua vida e mal esperava uma resposta para puxar um novo assunto.

Ele, que era bombardeado por perguntas, não sabia como responder. Perguntava para a mãe e para o melhor amigo o que responder nas horas certas. Sorte a dele que tinha ajuda, pois a conquistou fácil, fácil.

***

Moravam na mesma cidade e achavam um cúmulo nunca terem se visto antes. Afinal, próximos e íntimos como ficaram, a cidade era pequena demais para os dois.

***

Ele, mesmo sem saber o que falar, dizia tudo aquilo que ela queria ouvir.

Apenas sendo ele mesmo, conseguiu fazer com que ela acreditasse no verdadeiro amor. Com que ela acreditasse que existem pessoas que encaixam na vida dos outros assim como uma luva serve numa mão.

***

Ela, com seu jeito inseguro e delicado, fez com que ele percebesse o fato de como as pessoas conseguem se entregar a outras. Fez com que ele se sentisse feliz. Um homem simples e rústico daquele jeito, com uma princesa tão delicada se entregando espontaneamente para ele.

Era muito mais do que ele um dia já sonhou.
                                                                             ***

Como uma breve brisa de inverno, passou-se o tempo e aumentou-se a vontade de se verem.

Marcaram um encontro.

Seria num restaurante mais ou menos chique, no centro da cidade. Lugar limpinho e cheiroso, mas nada tão caro que ele não pudesse pagar um vinho mediano e uma boa comida.

***

Ela, que nunca soltava o cabelo, penteou-o e deixou com que ele caísse pelas suas costas, brilhando e radiando ainda mais sua beleza insegura e contida.

Iria sozinha para o restaurante. Não haviam trocado endereços, então marcaram de se encontrar lá às sete.

Inocente, fez-se um pouco de difícil e acabou chegando no local mais tarde. Não o encontrou lá.

E naquele que deveria ser o dia mais feliz de sua vida, Arlindo Orlando desapareceu. Escafedeu-se. Não deu as caras por lá assim como ela nunca mais recebeu notícias suas.

Aquilo bastou para que ela nunca mais confiasse em outro homem, assim como bastou para destruir toda a imagem que ele havia construído de bom moço, prestativo e bom amante.

***

Eram 17h30 e Arlindo Orlando resolveu tomar banho. Passou sua camisa e o terno e deixou-os em cima da cama, para vestir após o banho.

Pegou a navalha e o creme de barbear e ficou de rosto liso, demonstrando algumas marcas de espinha da adolescência.

Teria um encontro logo mais e queria estar bastante apresentável, para que ela não desistisse.

Ligou o chuveiro e deixou aquela água quente escorrer pelo seu rosto. Extremamente nervoso, estava com muito calor. Resolveu, então, mudar a temperatura da água, para que a água fria acalmasse seus anseios e relaxasse sua mente.

Foi assim que terminou a vida de Arlindo Orlando. Com uma queda de energia na casa, dado ao choque que levara, o que fez com que sua mãe o encontrasse morto no banheiro.

***

Para a companhia de energia da cidade, Arlindo Orlando virou estatística.

Para sua amada, virou um filho da puta.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Auto do Compadre Sílvio

À espreita, como um leão fica de sua presa, ao lado de sua poderosa máquina pega-mulheres

Não. Nossa amizade não é escrita em três atos, porque se assim fosse ela teria um fim. E ela não tem.

Mas infelizmente, egoísta que sou, para falar o que quero, tenho que falar de mim.

Sempre fui intrometido mesmo. Acho que foi por isso que nós nos tornamos amigos.

Se eu não saísse por aí, metendo meu dedo em qualquer lugar (não pensem trocadilhos, seus filhos da puta, o texto é sério), não teria me sentido no direito de lhe mandar tomar no seu respectivo cu, quando muitas vezes reclamou da sua vida, quando nós não éramos nem amigos.

E aí eu fico imaginando o que você pensava de mim. Um cara arrogante e prepotente, que você confirmou anos depois ser a imagem que você tinha de mim, vir do nada e dizer que a vida tem de ser vivida, quando você, jovem Werther , duvidava disso.

Foram longas discussões, nas quais eu tive a grande oportunidade de comparar a vida a uma melodia de música, comparação esta que nunca mais serei capaz de repetir. E após tudo isso, aquilo que antes era apenas um duelo de retóricas, tornou-se um sentimento fraternal, na qual eu não queria que você desistisse. Não tão cedo.

Anos depois, num réveillon em que ambos estávamos sozinhos nas nossas respectivas casas, eu acabei descobrindo que eu me preocupava com você, assim como um pai se preocupa com um filho. Descobri que tenho e que gosto disso. De me envolver demais, de ser tão intenso com as coisas.

Deve ser por isso que eu mandei Forever Young do Bob Dylan pra você. Foi quando nos tornamos amigos de verdade. Companheiros. João’s de Santo Cristo. E eis que sempre servimos de base um ao outro. Você discorrendo sobre suas coisas feias e eu sobre as minhas, um lamentando mais que o outro. Mas nunca perdendo a oportunidade de sacanear, de trollar.

Assim, eu ainda imagino que essa discussão que nós tivemos na semana passada não passa de um troll, na qual um vai olhar para o outro e dizer “Pff, você achou que era sério?”. A falta de humildade de ambos nos fez dizer coisas pesadas um ao outro e, sinceramente, vai tomar no seu cu por ter feito isso. É, tô esperando você me mandar ir também...

O real é que eu não consigo falar nem um terço do que eu quero. Porque amizade é assim, um sabe do outro sem que seja preciso uma palavra. Mas ainda me sinto na obrigação de lhe dizer uma: desculpa.

Não quero que essa merda que aconteceu, ainda mais a porra da matemática, atrapalhem esses nossos poucos anos de amizade (ainda), porque, querendo ou não, você é feio pra caralho e eu não sou didático por MSN, mas nós somos amigos.