sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O mito do elevador

19h58.

A reunião condominial estava para começar. A síndica marcara às pressas, pediu o comparecimento de todos.

Os seis retardatários, neste momento, estão no elevador, mais precisamente no décimo primeiro andar, quando o último morador, o rabugento do 1103, acabara de entrar. A porta se fechou, estavam confinados.

O prédio é antigo, descer de escada não é uma boa opção, os degraus são todos muitos juntos e além da tonteira que causam, facilitam acidentes, sem contar o comodismo. Todos os que faltavam realmente estavam no elevador.

19h59.

Foi só ele começar a acelerar que aquela marola estonteante invadiu a todos. Não uma qualquer, e sim uma capaz de deteriorar os alvéolos de um rinocerante, de derrubar um elefante.

Peidaram no elevador.

"Foi a gordinha do 1203", pensaram todos, exceto a própria injustiçada, acostumada a ser injuriada de todas as formas, mas ainda não acostumada com a dor de receber esses olhares oscilantes, cheios de ódio, nojo e de desprezo, que carregam o pensamento do marido do 1701: "gordo só faz gordice". Coitada da gordinha.

Ainda não se passaram nem dez segundos desde a baforada monstruosa e a perua do 1604 já começou a sentir náuseas, deu ânsia de vômito e apertou o botão que indicava o oitavo andar, teria que sair mais rapidamente dali, não pensou que seria mais fácil apertar o décimo andar.

O dono do gigantesco feitio, nessa hora, ria absurdamente por dentro, gostava de ver o circo pegar fogo e adorava saber que fora o responsável por essas labaredas. Para tanto, disfarçou muito bem, incitou a discórdia, dizendo que aquilo era inadimissível, que os outros deviam ter o mínimo de respeito ou vergonha na cara.

O elevador parou no oitavo andar, saíram a perua, a gordinha e o casal do 1701. Parte do cheiro saiu com o abrir da porta, a outra ficou impregnada no ambiente, de uma forma tão densa que ardia os olhos do rabugento do 1103. Foi o único que não havia reclamado, por incrível que pareça, apenas teve um brilhante pensamento.

O "putrefação" humana, puto da vida pela indiferença do rabugento, disse que aquilo era inadmissível, apertou o quarto andar já que o elevador estava indo do sexto para o quinto e, na saída, deu uma baforada no velho, que até passou despercebida, já que a porta se fechara antes.

Resultado, o velho chegou às 20h01 na reunião. A gordinha utilizou suas injúrias como motivação para ir de escadas, para emagrecer; a perua, que estava de salto muito alto, caiu ali por volta do quinto andar e decidiu nao ir mais; o casal voltou para o apartamento, para esquecer aquele cheiro horrível num delicioso banho a dois.

O velho se sentou na frente e acompanhou a reunião. Minutos mais tardes chegou o peidorreiro, viu toda aquele gente e sorriu para si mesmo, "Como será que eles reagirão diante de uma bela merda?". Ele não sabia quanto aos demais, sabia apenas que o velho estava imune à sua sacanagem.

A vida também é assim, às vezes nos deparamos diante de problemas sem solução, que têm a única função de nos deixar fedendo, podres e pra baixo. Assim, alguns desistem e voltam ao início do caminho. Outros ficam estancados no mesmo lugar, sem reação, e ficam fedendo para sempre. Poucos tiram disso alguma lição. Menos ainda ficam indiferentes a isso. Estes sim são capazes de aguentar o tranco da vida, por mais que alguns cretinos gostem de foder com a vida de todos, eles sabem exatamente disso e pensam assim como o velho:

"Vai passar, sempre passa. É só esperar."